Elas são vitoriosas!
Nutricionistas com deficiência superam dificuldades e
preconceito para exercer plenamente a profissão
Um em cada quatro brasileiros tem alguma deficiência, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Isso significa que mais de 45 milhões de brasileiros são Pessoas com Deficiência (PCDs), que pode ser visual, auditiva, motora, mental ou intelectual.
Apesar da legislação que obriga as empresas com mais de 100 funcionários a contratarem PCDs, o mercado absorve apenas 418 mil profissionais com deficiência, menos de 1% das carteiras assinadas, segundo o Ministério do Trabalho. Os dados são de 2016.
No que se refere aos Nutricionistas, a situação não é diferente. Boa parte dos profissionais com deficiência está fora do mercado ou trabalha em empresas que os contratam para cumprir a legislação, mas fora da área de Nutrição.
O atendimento clínico é a área em que Nutricionistas encontram menos resistência para o desempenho profissional. Mas ainda há um grande déficit em equipamentos e softwares adaptados.
Bons exemplos
As Nutricionistas Ana Paula Loubet Febronio e Tânia Regina Sellis de Souza venceram barreiras e preconceitos. E hoje exercem a profissão plenamente.
Com diabetes tipo 1, Tânia Sellis vem travando e vencendo muitas batalhas durante a vida, marcada pela doença que causou cegueira e demandou um transplante duplo: de rim e de pâncreas.
Ao retornar à faculdade de Nutrição, depois de perder a visão e passar pelo duplo transplante, Tânia aprendeu Braille e adaptou equipamentos e materiais para conseguir terminar os estudos. “Quando voltei para a faculdade, no escuro, tive que reaprender a fazer tudo e utilizar materiais adaptados no curso e na carreira profissional”, conta Tânia.
As dificuldades vencidas na sala de aula terminaram viabilizando a carreira da Nutricionista. “Meu Trabalho de Conclusão de Curso foi sobre o método que criei para atender em consultório. Uso uma balança sonora (que “fala” por um sintetizador de voz), adaptei uma fita métrica e, o principal, os protocolos dos softwares de leitura de tela e de anamnese”, conta.
Tânia acabou se especializando em Nutrição para diabéticos. “O que me faz feliz é poder atender, ouvir o paciente e motivá-lo. Mostrar a ele que nada é difícil quando a gente tem foco e amor. Também faço mentoria sobre diabetes para colegas Nutricionistas e dou palestras de motivação”, ela explica.
“Sinto que a minha história de vida aumenta o comprometimento dos pacientes com o tratamento. Quando narro minha trajetória, conto que tinha a glicemia muito descompensada, que não tive educação em diabetes e que isso me levou a perder a visão e ao transplante, fica mais fácil as pessoas acreditarem que a Nutrição mudou tudo na minha vida. Hoje eu vivo muito bem; os transplantes estão completando dez anos. A Nutrição foi um renascimento”, diz.
Tânia criou um grupo de Nutricionistas com deficiência visual nas redes sociais, onde se discutiu, por exemplo, a baixa acessibilidade do antigo site do CRN-3. Ela procurou a atual gestão do Conselho, que sensibilizou-se e garantiu que a nova versão do site, já no ar, tivesse toda a estrutura acessível. “Foi mais uma vitória. Hoje, o site do Conselho é maravilhoso para nós”, diz.
Ela conta que, desde a faculdade, percebe que, mais do que com o preconceito, o deficiente visual sofre com o desconhecimento. “As pessoas pensam que os cegos ficam em casa, sentados, sem fazer nada. Não imaginam que lavamos louça, arrumamos a casa e que trabalhamos. Alguns deficientes visuais confundem essa falta de conhecimento com preconceito. Desde a faculdade, havia gente que acreditava que eu não iria conseguir. E cheguei até aqui!”.
“Hoje, estamos lutando para que os aparelhos de avaliação nutricional e os softwares de cálculos sejam acessíveis aos profissionais com deficiência. Um exemplo de aparelho que não tem acessibilidade é o adipômetro. Não existe uma versão para cegos. Já entrei em contato com algumas empresas e é uma luta que está em processo”, afirma Tânia Sellis.
Driblando o
preconceito
Ana Paula Febronio tem deficiência auditiva com perda severa desde que nasceu; a mãe teve rubéola durante a gestação. Ana usa prótese auditiva removível (aparelho auditivo), faz leitura labial e não usa a Libras (Língua Brasileira de Sinais).
Formada pela Universidade Católica Dom Bosco, de Campo Grande (MS), e pós-graduada em Nutrição Clínica, Ana diz não ter enfrentado preconceitos na vida acadêmica. “Durante a faculdade eu sempre sentei na primeira fileira, sempre tive ajuda dos professores e de alguns colegas, que me passavam a matéria escrita. Também tinha autorização para gravar as aulas”, afirma a Nutricionista.
O preconceito apareceu entre os colegas de trabalho. “Algumas pessoas não compreendem que, em certos exercícios, eu preciso de ajuda. Por vezes, insistem para que eu atenda o telefone ou não compreendem a minha demanda acerca das reuniões. Isso porque me sinto perdida nas falas que se sobrepõem e, consequentemente, preciso fazer questionamentos a respeito dos discursos. Muitos colegas ficam impacientes.”
Ana conta que, quando fazia atendimento clínico, dava um jeito de não se expor ao preconceito. “Os pacientes não percebiam minha deficiência. Como ficávamos frente a frente, isso facilitava a comunicação e a prótese auditiva que uso é bem discreta. Eu não via preconceito e eles não percebiam a minha deficiência pelo pouco tempo de convívio no atendimento”.
Ana é nutricionista concursada como portadora de necessidade especial pela Prefeitura Municipal de Dourados (MS), desde 2007. Trabalhou 11 anos na Secretaria Municipal de Educação e, atualmente, está na Secretaria Municipal de Assistência Social.
Quando questionada sobre sua motivação para encarar os desafios do dia a dia da Nutrição, Ana cita uma frase atribuída ao ator Charles Chaplin: “Lute com determinação, abrace a vida com paixão, perca com classe e vença com ousadia, porque o mundo pertence a quem se atreve e a vida é muito bela para ser insignificante”.